segunda-feira, 20 de junho de 2011

FHC aos 80 Celso Lafer

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O Estado de S.Paulo
Fernando Henrique Cardoso chega aos 80 anos em grande forma e na
plenitude das qualidades que dele fizeram um grande intelectual e um
grande homem público. É o nosso elder statesman e a sua palavra tem
prioridade na agenda de discussão nacional. Tem prioridade porque é
dotada de autoridade, que se caracteriza por ser menos que um comando,
mas mais do que um conselho, na definição de Mommsen. Essa autoridade
é fruto do seu percurso e do seu legado, que aqui destaco celebrando o
seu aniversário e, ao mesmo tempo, contrapondo-me à damnatio memoriae
com a qual o presidente Lula, o PT e os seus simpatizantes, inclusive
no mundo acadêmico, buscaram infligir à sua trajetória.
A damnatio memoriae é um instituto do Direito Romano por meio do qual
um sucessor condenava a memória do seu antecessor, buscando apagar a
sua imagem e eliminar o seu nome das inscrições, considerando-o um
inimigo ou uma vergonha para o Estado romano. No Brasil, esse é o
objetivo da retórica da "herança maldita", tal como persistentemente
aplicada à qualificação da sua gestão presidencial por seu sucessor e
acólitos. Ressalvo que dessa postura se afastou a presidente Dilma
Rousseff, ao saudar com civilidade republicana os 80 anos de FHC e ao
identificar os seus méritos.
Fernando Henrique é um raro caso, no Brasil e no mundo, de um grande
intelectual que foi bem-sucedido na política, alcançando a Presidência
da República no primeiro turno, por voto majoritário, em duas
sucessivas eleições. Usualmente os intelectuais, na medida em que se
interessam pela política, ou se dedicam à crítica do poder ou a
assessorar o poder. FHC, além de ter desempenhado esses dois papéis,
exerceu o poder no vértice do sistema político brasileiro. Logrou
alcançar e exercer o poder em função de certas características de
personalidade que merecem o elogio, e não a condenação de uma
ressentida damnatio memoriae.
FHC foi afirmando a sua liderança desde os tempos da universidade, o
que lhe valeu o reconhecimento dos seus pares. São componentes do modo
de ser da sua liderança a agilidade e a rapidez da inteligência, que
os gregos qualificam de anquinoia, e o dom de gentes, da prazerosa
civilidade do seu trato com as pessoas..
A política requer coragem, que é uma "virtude forte" necessária para o
ofício de governar e vai além das virtudes requeridas para lidar com
as necessidades da vida e as exigências da profissão. É o sentimento
de suas próprias forças, como a define Montesquieu. É saber manter a
dignidade sob pressão, nas palavras de Hemingway, no confronto com o
perigo e as dificuldades. Coragem, nos precisos termos das definições
acima mencionadas, nunca faltou a FHC, como posso testemunhar ao tê-lo
visto enfrentar seja a aposentadoria compulsória na USP por obra do
arbítrio do regime militar e o bafo da repressão nos momentos iniciais
do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), seja, em
outro plano, no exercício da Presidência, a desestabilizadora crise do
câmbio de 1999, que pôs em risco o Plano Real. Teve, para dar outro
exemplo, a coragem de assumir o Ministério da Fazenda, no governo
Itamar Franco, para enfrentar o imenso desafio de debelar anos de uma
inflação desenfreada e corrosiva. A coragem também passa pela firmeza
de lidar com temas controvertidos e se contrapor ao seu grupo político
e à tendência majoritária da opinião pública. É a nota do seu empenho
atual na discussão do problema das drogas, que mostra que os anos não
enfraqueceram a sua vocação de combate.
O juízo político é a capacidade de perceber as características que
singularizam um contexto. Beneficia-se da visão geral que o
conhecimento oferece, mas requer a competência para identificar, numa
dada realidade, as particularidades do que pode ou não resultar. FHC,
na sua trajetória, foi capaz de olhar o distante e observar o perto,
nas palavras de Goethe. Desse modo, como intelectual apto a se
orientar na História, sempre teve visão global para entender o
conjunto das coisas no Brasil e no mundo e, por obra da qualidade do
seu juízo político, a sensibilidade para captar o espaço do potencial
das conjunturas com que se confrontou. Pôde, assim, exercer, para
falar com Albert Hirschman, a sua íntegra "paixão pelo possível".
Assegurou, na sua Presidência, republicanamente, a governabilidade
democrática de um país complexo como o Brasil, por meio de uma
liderança aparelhada por um superior juízo político que soube dosar
harmonização com inovação e transformação. Logrou, desse modo,
orientar o País a partir do Estado e mudar a sociedade brasileira,
pois guiado pelo seu sentido de direção construiu um novo patamar de
possibilidades para o nosso país.
FHC transformou a sociedade brasileira com o Plano Real, que, com a
estabilidade da moeda, assegurou a previsibilidade social das
expectativas e promoveu a redistribuição de renda. Impôs racionalidade
administrativa com a legislação da responsabilidade fiscal e as
privatizações. Garantiu a solidez do sistema bancário com o Proer.
Inaugurou o novo alcance das redes de proteção social com o
Bolsa-Escola. Empenhou-se na institucionalização da democracia, no
fortalecimento da cidadania e na valorização dos direitos humanos. Deu
destaque à agenda ambiental. Elevou, com as suas realizações e sua
presença pessoal, o alcance do papel do Brasil no mundo. Em síntese, o
seu legado é o de um grande homem público que promoveu a ampliação do
poder de controle da sociedade brasileira sobre o seu destino, de que
se vem beneficiando, de maneira duradoura, o nosso país.
Celebrar o seu aniversário é uma oportunidade de celebrar a sua obra e
a sua pessoa e, no meu caso, de afirmar que é um privilégio fruir a
sua convivência e, assim, saudar, com amizade e admiração, os seus
jovens, sábios e democraticamente bem-humorados 80 anos.
PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA
BRASILEIRA DE CIÊNCIAS E DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, FOI
MINISTRO DAS RELAÇÕES EXTERIORES NO GOVERNO FHC

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