quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Mal comparando - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 21/11

Chile, México, Peru e Colômbia estão reduzindo suas taxas de juros para turbinar o crescimento. Já no Brasil...


Há uma maneira fácil de ser campeão em tudo: escolher bem os adversários, um para cada tipo de jogo. Taxa de desemprego, por exemplo. A do Brasil é de 5,4%, contra o desastre de 27,6% na Grécia. Fácil.

Querem competir em inflação? Pois o principal índice brasileiro, o IPCA, mostra alta de preços de 5,8% nos últimos 12 meses. Vamos deixar de lado a Venezuela, cuja inflação passa dos 50%. Seria covardia pegar um país tão desorganizado. Mas considerem a Índia, que não está numa fase muito boa, mas trata-se de um Bric grande: preços subindo ao ritmo anual de 10%. E, aliás, com taxa de desemprego também na casa dos 10%, de modo que o Brasil ganha nos dois quesitos.

O que mais? Crescimento da economia? O Brasil não está lá essas coisas, mas pode salvar uma expansão do PIB de 2,5% neste ano. A Grécia, para voltar ao saco de pancadas, está andando para trás. Seu produto vai encolher espantosos 4%. Querem outro, grandão? A Alemanha deve crescer neste ano magérrimos 0,5%. Os EUA talvez consigam uns 2%.

Poderíamos seguir indefinidamente com essa história. Mas não vale a pena. Esses números, assim jogados, não contam a verdadeira história dos jogos. Mesmo porque pode-se fazer a comparação contrária.

Taxa de desemprego, por exemplo, uma bandeira sempre desfraldada pela presidente Dilma. E, não, a taxa brasileira não é a menor do mundo, nem dos emergentes nem da América Latina.

Japão e China, com 4%, oferecem proporcionalmente mais empregos a seus cidadãos. Na Coreia do Sul, a taxa de desemprego é ainda menor, 2,8%. No México, 4,9%.

Em boa parte dos países, o desemprego está em queda em consequência da recuperação, ainda que moderada, da economia global. Nos EUA, por exemplo, essa taxa, que encostou nos 10% na sequência da crise financeira, já caiu para 7,3% e a tendência é de baixa.

Portanto, não é exato dizer que o Brasil gera empregos num mundo que destrói vagas — como sugeriu a presidente Dilma várias vezes nesta semana.

No quesito inflação, é até fácil encontrar adversários com taxa menor que a brasileira. Querem países grandes e ricos? Pois então: EUA, com inflação anual de 1,2%, mesmo número da Alemanha. O Japão vai de 1%. Comparar com emergentes? Pois a China mantém preços subindo, também em ritmo anual, na faixa de 2,5%. Entre os países importantes da América Latina, tirante Argentina e Venezuela, todos registram inflação menor — e bem menor que a brasileira. Tanto é verdade que esses países, como Chile, México, Peru e Colômbia, estão reduzindo suas taxas de juros para turbinar o crescimento. Já no Brasil, mesmo precisando acelerar a economia, os juros estão subindo porque o governo relaxou no controle da inflação.

E, por falar em crescimento, aqueles latino-americanos, exceto o México, vão mais rápido que o Brasil. Chile e Colômbia crescem pouco mais de 4% ao ano, Peru vai a 5%. Fora da região, a Coreia do Sul tem expansão em torno de 3% — bem melhor que os 2,5% brasileiros, pois se trata de um país com renda mais alta.

E a China, convém nem considerar.

A presidente Dilma também sugeriu que o Brasil é campeão em superávit primário, alto, e dívida pública, baixa. Aqui, é até mais fácil confundir do que explicar, dada a complexidade e a variedade das contas.

Mas, considerando a Dívida Líquida do Setor Público, em proporção ao PIB, o Brasil defende hoje uns honrosos 36%. Para quem já esteve acima dos 60%, está muito bom.

Mas aqui pertinho, na América Latina, o México ganha apertado nesse quesito, com 34%. Mas o Chile dá de lavada. Tem superávit. Peru e Colômbia usam mais outro indicador, a Dívida Pública Bruta, com confortáveis 30% para a colombiana e baixíssimos 16% para a peruana. Nesse quesito, o Brasil tem dívida de 60% pelo critério do governo, 67% pelas contas do FMI.

Também poderíamos seguir indefinidamente por estas comparações. E vou dizer: é mais fácil achar países que estão em situação melhor. Especialmente quando, em vez de fazer campeonatos parciais e arranjados, considera-se o conjunto da obra. Como têm apontado economistas brasileiros das mais variadas tendências, inclusive pró-governo Dilma, o Brasil foi apanhado numa armadilha de baixo crescimento com inflação elevada e contas públicas desarrumadas.

E por falar em inflação: quem for à página do Banco Central (bcb.gov.br) verá que a meta de inflação no Brasil é de 4,5%. E verá que, para contornar situações excepcionais, admite-se uma banda de variação de dois pontos. Ou seja, 6,5% não é a meta, mas o teto da banda de variação. E mesmo os 4,5% formam uma inflação elevada para os padrões globais.


Troca de xerife - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 21/11

A demissão do truculento ministro Guillermo Moreno, da Argentina, é o reconhecimento tardio do fracasso da atual política econômica do governo de Cristina Kirchner. Mas não é garantia de conserto.

Formalmente apenas o secretário do Comércio Interior, Moreno era quem imperava de fato na política econômica do seu país. Para obter seus objetivos, intimidava, insultava, perseguia, falsificava. Chegou a receber negociadores com revólver sobre sua mesa de trabalho.

Foi Moreno quem destruiu a credibilidade do Indec, o organismo encarregado das estatísticas oficiais, porque o obrigou a falsificar dados sobre inflação, PIB e desemprego. A inflação foi artificialmente baixada para a casa dos 9% ao ano enquanto a real, apontada por consultorias independentes, oscilou em torno de 25%. A revista The Economist anunciou em 2012 que deixaria de publicar, como de fato deixou, as estatísticas econômicas da Argentina, porque não tinham credibilidade.

Para tentar segurar a inflação, Moreno impôs o congelamento de preços e ameaçava com devassas, multas asfixiantes e bloqueio de matérias-primas os empresários que tentavam driblar seus despachos. Para evitar a fuga de dólares, foi também ele quem perseguiu os operadores do câmbio paralelo e impôs restrições à compra de moeda estrangeira (cepo cambial). Não teve escrúpulos em pagar despesas correntes do governo com reservas cambiais e impôs a política de travas às importações argentinas que tanto prejudicou o comércio do Mercosul.

O resultado dessa política foi a paralisia dos investimentos, desabastecimento (até mesmo na área do trigo, cuja produção é uma das maiores do mundo), prostração e, não menos importante, derrotas do governo nas duas últimas eleições regionais.

Bueno, se fué Moreno, qué sucede ahora? A área econômica será comandada por nova dupla: pelo ministro da Economia, Axel Kicillof, e pelo chefe de Gabinete, Jorge Capitanich. O próprio Moreno chamava o intervencionista e radical Kicillof, de quem não gosta, de "el soviético".

É possível que seu primeiro movimento seja divulgar os números verdadeiros da inflação e restabelecer a credibilidade do Indec. Mas isso só retifica registros oficiais e pode consertar alguns aparelhos de medição. Os problemas subjacentes exigem soluções dramáticas e não se sabe se o combalido governo de Cristina está disposto a pagar o preço delas.

A ideia de estabelecer um regime de câmbio múltiplo, defendida por Kicillof, crava um dólar para exportações, outro para importações, outro para operações financeiras e outro ainda, para viagens ao exterior. É receita infalível para novas distorções, como superfaturamento das exportações e subfaturamento das importações.

A eventual moralização da inflação, por sua vez, deverá acirrar pressões por reajustes de preços e de salários. Por trás de tudo está a estratégia não revelada da sobrevivência política da presidente Cristina nos seus dois últimos anos de mandato.


Esparadrapos e estagnação - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 21/11

Governo corre para apagar alguns dos incêndios que criou, remenda sua política e desiste de outras

PARECE QUE VAI para o brejo o projeto governista de renegociar as dívidas de Estados e municípios com a União ("governo federal"), sugere reportagem publicada nesta Folha.

O próprio governo deixaria esse projeto de lei afundar no brejo. Primeiro, porque estava pegando muito mal (seria mais um fator de "crise" nas contas públicas). Segundo, porque o governo viu mesmo que está na pindaíba.

Melhor assim, melhor que nada, mas não deixa de ser tristemente ridícula essa tentativa do governo de apagar incêndios que ele mesmo causou (receita de menos, gasto demasiado, descrédito da política econômica).

A dívida seria recalculada por uma taxa de juros mais baixa. O saldo devedor seria reduzido. Com menos dívida, cidades como São Paulo iriam se livrar de uma restrição legal para fazer novos empréstimos. Enfim, a lei era feita para beneficiar sobretudo a cidade de São Paulo.

Grosso modo, Estados e municípios poderiam gastar mais, reduzindo sua parcela no esforço total do setor público de poupar e conter o aumento da dívida. Assim, ou a dívida geral do setor público aumentaria, ou o governo federal teria de fazer superávit primário (poupança) ainda maior, para compensar, ora inviável.

Governo e governistas dizem que a situação fiscal (receita menos despesa) de 2014 estará "sob controle" porque pode voltar a cobrança de impostos que haviam sido reduzidos; porque deve ser repassado para o cidadão a alta represada do custo da energia elétrica. É verdade. Tirar e colocar esparadrapos não é difícil, mas não é medicina.

Para piorar, algum impacto tais reajustes terão na inflação de 2014, assim como pesarão o reajuste de algumas tarifas reprimidas neste ano de protestos e o reajuste da gasolina. A manipulação do preço da gasolina, que vem dos anos Lula e piorou sob Dilma Rousseff, foi uma das políticas "micro" mais desastrosas da última década no Brasil.

Sim, melhor começar a arrumar a bagunça de tanto preço básico e administrado pelo governo. Mas por que precisávamos chegar a isso? Os truques com preços não resolveram problema algum e criaram outros.

Não, não haverá "descontrole" da inflação. Nem é preciso tal exagero para ficar evidente que temos problemas. Temos inflação no topo da meta desde 2008, em torno de 6% (2009 não conta, pois foi ano de recessão). 2014 tende a não ser muito diferente.

Pode haver surpresas boas no preço dos alimentos. Mas haverá o impacto dos reajustes represados. Haverá uma alta chatinha do dólar --talvez chatona, devido à mudança na política econômica dos EUA e às incertezas eleitorais no Brasil. Há riscos difíceis de prever, como o de uma febre de altas de preços devida à Copa.

Considerando a perspectiva menos exagerada, as previsões de inflação rodam em torno de 6%. Isso com a taxa de juros básica subindo pelo menos a 10,5% ao ano.

Assim, apenas com muita sorte, quase mágica, cresceremos mais de 2% no ano que vem, o que tende a ser a média dos quatro anos de Dilma Rousseff. Considerando que se faça uma faxina básica na casa em 2015, o primeiro ano do próximo governo não deve ser muito melhor.

Cinco anos perdidos. É isso que se chama de quase-estagnação.

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