domingo, 28 de dezembro de 2014

O reatamento Cuba-EUA - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 28/12


A boa notícia deste fim de ano - entre tantas coisas ruins no plano interno e externo, como um governo a iniciar-se envelhecido e a crescente tensão na Eurásia - foi, indubitavelmente, o reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba, processo iniciado há mais de um ano entre delegados dos dois países, com a intermediação do papa Francisco. Por isso, o anúncio do reatamento ocorreu no dia de aniversário do pontífice romano. Para as mentes estreitas, os EUA deveriam, em troca, exigir a democratização da ilha. Ora, a Arábia Saudita, o Egito, a China, países com os quais os EUA mantêm laços econômicos e até militares (os americanos dão dinheiro ao exército egípcio) são democráticos? A objeção é hipócrita!

Cuba deixou de ser inimiga militar dos Estados Unidos por dois motivos. O primeiro foi o desaparecimento do socialismo na União Soviética e na China. A ilha quedou-se isolada no mar do Caribe, a 96 km dos EUA. O segundo motivo - até mesmo pelo fracasso do modelo econômico adotado - diz com o fomento outrora patrocinado por Cuba aos movimentos esquerdistas na América Latina. Nicarágua, Honduras, Colômbia, Bolívia foram alvos da influência cubana. Hoje, resta o aspecto icônico - prestes a desaparecer - do comandante Fidel Castro, cujo carisma acrisola os sonháticos movimentos filossocialistas do continente (anacronismo ideológico).

O reatamento diplomático e o afrouxamento de políticas restritivas foi um primeiro passo. O segundo processo, sem o qual não deslanchará, é a queda do embargo econômico, que só faz o povo cubano sofrer, sem nenhum ganho político para os EUA. A América Latina inteira quer o seu fim. Prejudica a política americana no continente, tanto é que os chefes de Estado declararam, há meses, que sem Cuba não haveria a cúpula das nações americanas em 2015. De resto, o mundo vê como covarde e mesquinho o embargo (sanções econômicas são detestáveis). São, como no passado, cercos que impedem a chegada à população de água, alimentos e remédios, para dobrar soberanias, uma forma cruel de atingir civis. Em Israel, por exemplo, até os impostos pagos pelos palestinos podem ser retidos, ao revés de repassados à Autoridade Palestina.

Com a proximidade das eleições presidenciais, o Congresso americano revogará a lei do embargo, ante a pressão do voto hispânico e da opinião mundial. Os republicanos não são idiotas. Mas esperar que Cuba se torne capitalista e democrática imediatamente é irrealístico. Primeiro virá a liberalização comercial, depois a de investimentos e, finalmente, a da produção, sob o controle férreo do Partido Comunista cubano, após a sucessão de Raul Castro, em andamento.

Aliás, a liberalização política antes da econômica, como aconteceu na Rússia, foi catastrófica, financeira e estrategicamente. A União Soviética se desfez e ocasionou o colapso da Rússia. A glasnost (transparência) e a perestroika (reestruturação) fracassaram. O Ocidente não ajudou; aprofundou a crise, e até hoje hostiliza a Rússia, como recentemente escreveu Gorbachev para o Financial Time, em sofrida mea-culpa. O processo cubano será, antes de tudo, econômico, como na China, sob o controle do Partido Comunista. Se os cubanos ricos de Miami pensam que vão exercitar o buyback (comprar suas antigas propriedades) e tomar a ilha economicamente, estão enganados. Como na China, o processo econômico será intenso, mas sob controle, à medida que novas instituições sejam construídas. Um Banco Central, para exemplificar, técnicas cambiais, sistema bancário etc.

Dado o primeiro passo, o processo seguirá normalmente. A China dará a consultoria necessária. Os EUA devem continuar nas mãos do partido democrata. Se Obama assinar um acordo com o Irã, absorver o plebiscito (87%) da Crimeia (que sempre foi russa, anexada à Ucrânia por Kruschev, nascido ucraniano) - e iniciar a reunificação da Coreia, fará por merecer o cognome de o pacificador, apanágio dos grandes estadistas. A vitória da democracia estará completa. A China, por si só, encontrará o seu destino de tolerância e igualdade. O Ocidente sempre foi um acidente recentíssimo na história da humanidade.

O mundo, daqui a 40 anos, será bem diferente. Quem diria que os EUA manteriam sem acusação gente presa em Guantamano? Que torturava sistematicamente pessoas? Que não indicia policiais brancos que assassinam negros? A Europa é cada vez mais xonofoba! Entre a Rússia e a China, um espaço político novo e decisivo está em formação, poucos se apercebam. De outro lado, os cubanos são os latino-americanos mais educados e possuem um bom sistema de saúde, eficaz e igualitário. Ainda será um grande país, após o comunismo cuja transformação teve início.

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