sábado, 22 de agosto de 2015

"Rasgando (o nosso) dinheiro", por Armínio Fraga e Marcelo Trindade O Globo

PT TEM OJERIZA À PRIVATIZAÇÃO — MAIS À PALAVRA QUE AO CONCEITO, DIGA-SE. PREFERE-SE DOAR PARTE DO PATRIMÔNIO NACIONAL AO MERCADO A DAR O BRAÇO A TORCER


O presidente do Conselho da Petrobras votou contra a abertura de capital da BR Distribuidora, por ponderáveis razões: ainda “há passos a cumprir”, disse ele; antes de abrir o capital a companhia deveria “contratar profissionais com experiência em varejo altamente qualificados”, que preparariam “um plano de negócios e gestão para a BR”. Foi acompanhado pelo conselheiro representante dos empregados, que destacou as dificuldades da economia neste momento, a recomendar o adiamento da venda de parte de um ativo tão relevante e valioso.

É alvissareiro que a passividade dos ministros de Estado que outrora presidiam o conselho de nossa mais importante sociedade de economia mista tenha sido substituída pelo voto atento e arguto de um reputado profissional de mercado e de um representante dos empregados. Mas isto não basta.

Abrir o capital de uma companhia no Brasil e vender parte das ações, neste momento de cotações depreciadas, é uma decisão que somente se justificaria por condições muito peculiares. Basta ver que praticamente nenhuma companhia privada brasileira está se movendo nessa direção. Somente a União Federal deseja fazê-lo, e com alguns de seus ativos mais preciosos.

A CONDIÇÃO PECULIAR ALEGADA PARA A PRESSA É A NECESSIDADE DE RECURSOS. ESSA É, REALMENTE, UMA RAZÃO MUITAS VEZES PRESENTE EM DECISÕES DESSE TIPO. DÍVIDAS VENCENDO, ESTOURO DE LIMITES DE ENDIVIDAMENTO, RISCO DE REBAIXAMENTO DE RATING, E OUTROS QUE TAIS. MAS UMA COMPANHIA PRIVADA SOMENTE DECIDE LIQUIDAR SEUS ATIVOS EM MÁS CONDIÇÕES DE MERCADO SE NÃO TEM ALTERNATIVA. E ESSE NÃO É O CASO DA UNIÃO.


De fato, esse mesmo governo que se dispõe a vender muito barato participações minoritárias, em companhias que ele seguirá controlando, poderia privatizar integralmente outros ativos, que passariam a ser controlados pelo setor privado. Pelo comando dessas empresas ou ativos os particulares estariam dispostos a pagar bem mais, e eventualmente até um prêmio sobre o preço justo. E isso para não falar no efeito positivo nas expectativas dos agentes econômicos que seria gerada por um movimento de privatização.

Quem se disporá a pagar o preço justo de uma companhia para ser minoritário de um governo que fez o que fez com a Petrobras, que não apoia os projetos de lei de alteração da governança das estatais, e que nem mesmo se dispôs ao mínimo, que seria aderir aos padrões de governança criados pela BM&FBovespa para as sociedades de economia mista?

A resposta é muito óbvia: os investidores estarão dispostos a pagar pelas ações da BR Distribuidora, e pelas outras que virão. Mas pagarão um preço muito menor que o valor econômico potencial da companhia. Exigirão um grande desconto, que justifique correr o enorme risco de ser minoritário de uma sociedade de economia mista controlada ao bel-prazer dos governos, na qual a boa qualidade dos gestores continuará dependendo da boa vontade (ou do mau momento político) dos governantes, ao invés de decorrer de mecanismos incluídos na lei, como deveria. E em que mesmo o voto dos bons gestores será ignorado, se assim quiser o poder central.

A única razão aparente para optar-se pelo caminho da venda de participações minoritárias em companhias muito valiosas, a preços muito baixos, ao invés de vender outros ativos integralmente, a preços melhores, é a ojeriza do PT à privatização — mais à palavra que ao conceito, diga-se. Prefere-se doar parte do patrimônio nacional ao mercado a dar o braço a torcer.

À vista da determinação do governo de insistir no erro, contra tudo e contra todos, só resta ao Congresso Nacional reconhecer a urgência da tramitação dos projetos que alteram a governança das estatais, de maneira que, mesmo contra a vontade do governo, possam entrar em vigor a tempo de evitar, ou reduzir, mais essa lesão ao patrimônio nacional.
Arminio Fraga é economista e foi presidente do Banco Central e Marcelo Trindade é advogado e foi presidente da Comissão de Valores Mobiliários

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