domingo, 20 de dezembro de 2015

Elio Gaspari: Difícil mesmo é começar a governar


- O Globo

Quando a doutora Dilma foi reeleita, ela tinha uma crise econômica no forno, um ministro da Fazenda (Guido Mantega) demitido pela televisão e outro que, convidado, não aceitou (Luiz Carlos Trabuco). Contentou-se com Joaquim Levy, companheiro de Trabuco no Bradesco. Passou-se um ano, ele vai embora, e todos os indicadores mostram que a crise piorou, devendo piorar mais.

Ao contrário das crises anteriores, quando houve alguma influência de fatores externos, como altas súbitas do preço do petróleo, a encrenca saída do comissariado petista é um legítimo produto nacional. Foi produzida em Pindorama, pelo governo brasileiro. Pode-se dizer que suas origens estavam em políticas equivocadas, como a fantasia do "campeões nacionais" ou meros truques, como as pedaladas fiscais. A ruína de 2015 nem a isso se deve. Houve nela o ingrediente adicional da falta de governo. O PT atirava em Levy, que atirava na política do primeiro mandato da doutora. Ambos acertaram na patuleia, produzindo desemprego e inflação. A unção de Nelson Barbosa significa apenas que a doutora livrou-se de Levy e ele dela.

Contra falta de comando não há remédio. A crise da Década Perdida só acabou quando Itamar Franco entregou o leme da economia (e do governo real) a Fernando Henrique Cardoso. Durante todo o mandarinato de Guido Mantega, a doutora Dilma foi ministra da Fazenda e seu leal companheiro acabou pagando o pato. Com a saída de Levy, o jogo volta ao ponto de partida.

Em menos de uma semana, a inevitabilidade do impedimento da doutora foi afastada pela rua e pelo Supremo Tribunal Federal. Uma parte do tucanato já sonhava com uma partilha de ministério no governo de Michel Temer mas, na melhor das hipóteses, a festa ficou para depois. O Planalto tem o hábito de superestimar seus êxitos, subestimando suas dificuldades. A parte que lhe cabe no latifúndio da crise é sua inação. Não há melhor exemplo disso que sua perplexidade diante da epidemia do zika. Alguém poderia presentear a doutora com uma gravação de Maria Moita, de Carlos Lyra:

"Vou pedir ao meu Babalorixá
Pra fazer uma oração pra Xangô
Pra pôr pra trabalhar gente que nunca trabalhou".

Dois mistérios das petrorroubalheiras
Se não bastassem a extensão e os assombros produzidos pela Lava Jato, na semana passada um auditor da Receita Federal informou que, graças a uma "medida judicial engendrada", sumiram dois navios-sonda do grupo Schahin, avaliados em US$ 400 milhões.

Em outubro, esses dois navios operavam no litoral e foram levados por tripulações desembarcadas no Brasil. Foram ao mar amparados em decisões da Justiça de São Paulo e de Macaé. Segundo a Receita, os navios eram de empresas da Schahin no exterior. Segundo os beneficiários das ordens judiciais, os barcos pertenciam a credores da Schahin. Um belo caso para o Ministério Público e a Polícia Federal dizerem o que de fato aconteceu.

Num segundo mistério, reapareceu a fornecedora de equipamentos holandesa SBM. Sabe-se que os pixulecos milionários da SBM antecederam as investigações brasileiras. Ela caiu na Lava Jato e seus negócios com a Petrobras foram suspensos ainda ao tempo da doutora Graça Foster. Agora o Ministério Público do Rio de Janeiro acusa a SBM de pagar US$ 42 milhões em propinas a diretores da Petrobras num esquema que nasceu em 1997.

Nada de novo, mas até hoje não se entendeu por que o doutor Aldemir Bendine disse o seguinte, pouco depois de assumir a presidência da empresa: "Talvez você pegue uma SBM, que é uma importante fornecedora, mas que a gente vê caminhando para uma solução".

Sem pilotos
Numa conta conservadora, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deixou o governo há pelo menos dez dias. Essa pedra estava cantada há meses.

O que ninguém poderia esperar é que o doutor Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, entrasse em órbita mantendo-se na cadeira.

Diante do rebaixamento dos créditos brasileiros pela agência de risco Fitch, ele informou que a providência já era esperada. Esperada, era, mas se tudo o que o presidente do Banco Central tem a dizer é semelhante platitude, confirma-se que o deputado Tiririca estava errado: pior, fica.

Mais Datafolha
Uma nova revelação da pesquisa do Datafolha feita na avenida Paulista no domingo passado:

Ouvindo 1.351 pessoas ela encontrou uma percentagem de 15% de empresários e 8% de profissionais liberais. Jogo jogado. Os desempregados, contudo, eram 4%.

Em fevereiro deste ano, o índice de desempregados que buscavam trabalho em São Paulo estava em 7% e pode-se supor que tenha aumentado.

Disso resultam duas informações, boas e más, intercambiáveis, tanto para a doutora Dilma quanto para quem quer a sua destituição:

1) Os desempregados não foram para a rua, apesar da manifestação ter ocorrido num domingo.

2) Os desempregados ainda não foram para a rua.

Pirata do papagaio
O deputado Eduardo Cunha inovou o cerimonial de suas entrevistas num salão da Câmara. Era comum que aparecessem à sua volta os indefectíveis papagaios de pirata.

Cunha faz-se escoltar por um guarda-costas capaz de meter medo até mesmo em quem o vê pela televisão.

Operação recesso
Os çábios acreditam que durante o recesso terão tempo para trabalhar pelas bordas algumas deserções na bancada que segue a flauta mágica de Eduardo Cunha.

Se tivessem feito isso há um ano, talvez tivessem conseguido um candidato estranho ao PT para derrotá-lo na disputa pela presidência da Câmara.

Números paulistas
A Secretaria de Segurança do tucano Geraldo Alckmin tem um problema com os números.

Há poucas semanas os repórteres Lucas Ferraz e Rogério Pagnan mostraram que pelo menos 31 mortes atribuídas a policiais militares em agosto e setembro desapareceram de suas estatísticas. Explicando-se, a Secretaria informou que 23 mortes relacionadas com uma chacina ficaram fora da estatística porque faltavam informações nos boletins de ocorrência. Vá lá.

Às 21 horas de quarta-feira, a mesma secretaria informava que na manifestação de apoio à Dilma havia 3.000 pessoas.

No dia seguinte, corrigiu-se informando que, segundo a PM, os manifestantes foram 50 mil. Explicando a discrepância, disse que "o registro de 3.000 manifestantes refere-se ao início da manifestação". Como a mobilização começou no início da tarde, faltou explicar porque foi repetida às 21 horas.

Não saber contar é coisa que pode acontecer, divulgar explicações desse tipo são uma ofensa à inteligência alheia.

Surpresa
Investidores internacionais que estão de olho na liquidação de empresas brasileiras lidam com um novo dado. Para eles a Lava Jato deixará cicatrizes tão profundas na cleptocracia nacional que o país ganhará competitividade no item do combate à corrupção.

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