domingo, 27 de dezembro de 2015

Rolf Kuntz: A esperança está em Nelson Rodrigues


- O Estado de S. Paulo

Se toda unanimidade é burra, como sustentava Nelson Rodrigues, há esperança para os brasileiros: as previsões de mais um ano de recessão podem estar erradas. Se Nelson Rodrigues for desmentido e os fatos confirmarem as projeções do Banco Central (BC), a economia brasileira terá de crescer 5,7% em 2017 só para voltar ao nível de produção de 2014, último ano do primeiro e devastador mandato da presidente Dilma Rousseff. Será um desempenho típico de emergentes dignos desse nome e jamais igualados pelo Brasil nos últimos cinco anos. Pelas últimas contas do BC, publicadas nesta semana, o produto interno bruto (PIB) do Brasil deve ter diminuído 3,6% em 2015 e diminuirá mais 1,9% em 2016. Economistas do mercado financeiro e das principais consultorias tinham números um pouco piores na semana anterior – um recuo de 3,7% neste ano e de 2,8% no próximo.

Se essas estimativas estiverem corretas, será necessário um crescimento ainda mais parecido com o da Índia para a atividade voltar ao nível de 2014, já muito modesto pelos padrões internacionais. Naquele ano o PIB cresceu apenas 0,1%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como a expansão demográfica deve ter superado 0,8%, o produto por habitante já diminuiu, iniciando um movimento mantido neste ano e provavelmente em 2016.

Mas uma recuperação suficiente para o retorno ao PIB do ano passado é, provavelmente, a menor parte do problema. O desafio mais importante é levar o País de volta, de forma sustentável por vários anos, a um padrão de crescimento parecido com o de outros emergentes – algo pelo menos na faixa de 4% a 5% ao ano. Há uns dois anos o potencial de expansão econômica do Brasil era estimado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em cerca de 2,5%. Economistas de outras instituições apresentaram avaliações menos animadoras. Essa estimativa é complicada e muito insegura, mas, de toda forma, o desempenho brasileiro tem sido um dos piores do mundo. O PIB avançou em média 2,1% ao ano, entre 2011 e 2014, atolou-se numa funda recessão em 2015 e deve continuar no buraco em 2016.

Especialistas podem apontar vários fatores para explicar a anemia econômica do Brasil – com destaque para o baixo nível de investimento em máquinas, equipamentos e infraestrutura e a escassez crescente de mão de obra adequada à produção moderna. Alguns analistas e empresários têm apontado a prolongada valorização do câmbio, numa fase recente, como causa de importantes distorções e da perda de competitividade. Essa explicação pode ter algum valor, mas com certeza mostra só uma parte da história – provavelmente a menos importante.

O desarranjo fiscal crescente, o enorme desperdício de recursos públicos, o apoio financeiro concentrado em poucas e grandes empresas, a inflação elevada, o rápido aumento de custos, os erros na política de infraestrutura, a educação deficiente e mal planejada e a destruição das maiores estatais compõem uma narrativa muito mais convincente.

A intervenção nos preços, a política de componentes nacionais, o endividamento excessivo e a politização dos investimentos seriam suficientes para debilitar severamente a Petrobrás, mas, além disso, houve a pilhagem mostrada – ainda de forma certamente incompleta – pela Operação Lava Jato. Pior que isso: seria ingenuidade tratar da pilhagem e dos outros erros como fatos separados e independentes uns dos outros. Os critérios políticos de investimento, o estouro dos orçamentos de obras, o esquema de relação com fornecedores, o endividamento irresponsável e o jogo das propinas e dos favores foram facilitados pelo mesmo processo de ocupação da máquina estatal por um agrupamento político.

A incompetência – inegável – esclarece apenas em parte o fracasso dos programas oficiais de investimento. Nenhuma explicação seria completa sem referência ao aparelhamento do Estado, ao loteamento, ao compadrio e ao favorecimento fiscal e financeiro, tudo isso misturado com uma tintura ideológica.

Somados todos esses fatores com a crescente insegurança dos empresários, a redução do investimento produtivo e do potencial de crescimento é um resultado facilmente explicável. Juntem-se a isso os efeitos da Operação Lava Jato. O valor investido em máquinas, equipamentos, construções civis e infraestrutura já caiu no ano passado. O BC estima para este ano uma queda de 14,5%. Nova redução – de 9,5% – deve ocorrer em 2016, de acordo com o mesmo conjunto de projeções. Será preciso um espantoso aumento de 30% em 2017 só para o retorno ao valor, já muito baixo, de 2014. Com isso, o Brasil ainda investirá muito menos que a maioria dos países emergentes e em desenvolvimento mais dinâmicos.

A recuperação do investimento, mesmo para esse nível abaixo de medíocre, dependerá, naturalmente, de várias condições nunca reunidas no País há muitos anos. O governo terá de melhorar notavelmente a gestão das contas públicas. Precisará mostrar mais competência na elaboração de projetos, quando for o caso, e na definição de critérios, quando for preciso atrair o capital privado para concessões ou parcerias. Será indispensável proporcionar ao setor privado um mínimo de segurança em relação às perspectivas da economia e, é claro, aos padrões da ação governamental. Será forçoso renunciar ao voluntarismo e renegar a vocação para as bobagens. Um relatório dos tropeços seria enorme. O controle dos preços da gasolina, por exemplo, anulou o esforço de atração de investimentos para a produção de etanol e quase arrasou um setor de grande importância estratégica.

Para conduzir uma política desse padrão e para iniciar a agenda de reformas indispensáveis a presidente Dilma Rousseff terá de renegar as crenças e critérios seguidos até agora. Isso dependerá de entender e reconhecer seus erros, uma capacidade nunca demonstrada na vida pública.

Será preciso crescer como um emergente em 2017 para voltar ao nível de produção de 2014
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*Rolf Kuntz é jornalista

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