sábado, 27 de fevereiro de 2016

Viciados em acarajé - Merval Pereira


- O Globo

A inconsistência da defesa do marqueteiro João Santana e de sua mulher, Mônica Moura, fez com que o juiz Sérgio Moro os repreendesse na decisão de esticar por mais cinco dias a permanência dos dois na carceragem de Curitiba. O juiz viu “certos problemas” nos álibis apresentados, como não terem explicado por que a Odebrecht pagaria por fora no exterior, mas agiria legalmente no Brasil, da mesma maneira que o marqueteiro aceitaria dinheiro ilegal em outros países, mas não no Brasil, justamente o país em que o PT, partido para quem trabalhava, e a Odebrecht estão envolvidos num imenso escândalo desse tipo.

Também a secretária da Odebrecht teve sua prisão prorrogada, pois ela tenta convencer os procuradores e o juiz de que “acarajé” significa mesmo aquela iguaria baiana, e não propina, como aponta a Polícia Federal. Difícil de convencer, para qualquer pessoa que leia as mensagens de seus executivos. Ou são todos na Odebrecht de origem baiana viciados em acarajé “quentinhos”, que vão e voltam em diversas localidades do país e mesmo do exterior.

Essas antigas tentativas de enganar a Justiça não têm sido exitosas nessas investigações. O desdobramento da Lava-Jato em diversas outras operações, como a de ontem denominada “O Recebedor”, baseada em informações obtidas em acordo de leniência e delação premiada fechados com a empreiteira Camargo Corrêa, é uma demonstração de que as equipes do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, coordenadas pelo juiz Sérgio Moro em Curitiba, estão mais experientes e com maior capacidade investigativa do que as anteriores, que investigaram grandes esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro que acabaram não tendo consequências práticas, como o caso Banestado, ou simplesmente foram anuladas pelos tribunais superiores, como a Satiagraha ou a Castelo de Areia.

A Operação Lava-Jato ainda é considerada um ponto fora da curva, beneficiada pela formação da segunda grande força-tarefa da História do Ministério Público Federal quando o caso ainda era apenas uma investigação sobre doleiros e lavagem de dinheiro, sem que as conexões com a Petrobras e o PT estivessem explicitadas.

A equipe foi composta por procuradores que já tinham participado do caso Banestado, como Carlos Fernando de Souza e Delton Dallagnol, e o próprio juiz Sérgio Moro, ele também participante da primeira operação, já estudioso sobre lavagem de dinheiro. Seus componentes já tinham feito inúmeros acordos de colaboração antes, inclusive com o doleiro Alberto Yousseff, que reencontraram na investigação da Lava Jato, quebrando, portanto, o acordo de delação premiada que fizera anteriormente.

A chance de anulação do processo, embora continue sendo uma das principais tentativas dos advogados de defesa, acostumados, como diz o jurista Joaquim Falcão, a plantar nulidades para colher prescrição, está menor pela ação cuidadosa dos investigadores e também pela vitória que o juiz Sérgio Moro e os procuradores obtiveram com a aceitação do Supremo Tribunal Federal da tese de que a condenação em segunda instância pode permitir a prisão do condenado, sem prejuízo dos recursos.

Os estudiosos estão registrando mais profissionalismo nessa nova geração do Judiciário, e constatam que eles usam uma rede de cooperação internacional que lhes permite imprimir maior rapidez à formação de provas. Uma funcionária do Departamento de Justiça americano, por exemplo, impedida de ir ao trabalho devido a uma tempestade de neve, enviou de casa para a Lava-Jato um documento sobre a conta secreta de João Santana no Citibank.

Vários deles, como o procurador Deltan Dallagnol, estudaram em Harvard e em outras universidades dos Estados Unidos, têm conhecimento dos avanços da tecnologia de informação e são assessorados por especialistas que sabem tirar o maior proveito dos bancos de informação daqui e do exterior.

As investigações do Ministério Público Federal na Operação Lava-Jato receberam o prêmio anual da Global Investigations Review (GIR), na categoria “órgão de persecução criminal ou membro do Ministério Público do ano”, em cerimônia realizada em Nova York.

A relação entre o juiz Sérgio Moro e o ministro do STF Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato, tem sido de harmonia, embora houvesse quem apostasse em conflitos. Mas é bom lembrar que foi Zavascki quem indicou Moro para assessorar a ministra Rosa Weber durante o processo do mensalão, quando ele nem ainda estava no Supremo. Até agora, o Supremo confirmou 96% das decisões de Moro.

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