segunda-feira, 20 de junho de 2016

O povo pede passagem - RICARDO NOBLAT


O GLOBO - 20/06

“A Lava-Jato aboliu o purgatório. Restaram o céu e o inferno.” Benito Gama, deputado (PTB-BA)



Diante da Lava-Jato, desafio das elites é se renovar. Uma notícia boa e outra ruim. A boa para os que apoiam a luta permanente contra a corrupção: apesar das pressões, a Lava-Jato está longe de ser concluída, segundo os procuradores federais Deltan Dallagnol e Paulo Roberto Galvão de Carvalho. Seu trabalho se estenderá até o fim do ano ou início do próximo. A notícia ruim para os que almejam uma trégua no combate à corrupção: não haverá trégua.

O EMPRESÁRIO Marcelo Odebrecht completou, ontem, um ano de prisão. Anteontem, completou três anos a passeata que inaugurou em São Paulo o ciclo das manifestações populares de junho de 2013 em todo o país. Nas ruas da capital paulista, milhares de pessoas atacaram a sede da prefeitura, saquearam lojas, quebraram vitrines de bancos e foram reprimidas com violência pela Polícia Militar.

JUNHO DE 2013 deixou os governantes perplexos com a natureza de um movimento espontâneo e refratário à participação dos partidos políticos. A princípio, o que uniu os manifestantes foi a cobrança por preços mais baratos nos transportes coletivos. Depois, tudo ou quase tudo: Educação melhor, Saúde melhor, mais segurança, menos corrupção e a derrota de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limitava o poder de investigação do Ministério Público.

CONHECIDA COMO PEC da Mordaça, ela havia sido enviada ao Congresso pela presidente Dilma. Foi a primeira vítima de junho de 2013: a Câmara dos Deputados a rejeitou por 430 votos a 9. Se aprovada, dificilmente, hoje, haveria Lava-Jato. E, sem ela, Odebrecht estaria solto; com ou sem pedaladas, talvez Dilma presidisse o país, e Lula desfrutasse em paz do conforto do sítio de Atibaia reformado de graça por construtoras amigas dele.

DESCONFIE SEMPRE que ouvir alguma autoridade elogiar a Lava-Jato para, em seguida, insinuar o seu fim — se não já, quem sabe em breve, talvez daqui a pouco, de preferência logo, sem prejuízo para o país, é claro, porque você, eu, todos nós temos nojo à corrupção. Lorota! Com prejuízo para o país, sim. Com prejuízo para as investigações. E com menos prejuízos para os que roubaram e deixaram que roubassem.

ROUBARAM TANTO que chego a me apiedar dos acusados de terem embolsado pequenas quantias. Foi o caso do funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos filmado recebendo R$ 3 mil nos primórdios do escândalo do mensalão. Roubaram tanto e, às vezes, com tamanho requinte que no país da jabuticaba inventaram outra jabuticaba: a doação legal aos partidos, registrada na Justiça, de propina abatida do lucro sujo de empresas.

ESTOU POUCO me lixando — e imagino que você também — para quem foi condenado ou venha a ser por ter desrespeitado as leis. Primeiramente, não me interessa por qual nome atenda. Muito menos o cargo que ocupe — de carregador de mala até o presidente da República. A presidente eleita foi afastada e o vice assumiu. Nem o guarda da esquina se assustou. Pode ter celebrado. Se o vice caísse, dar-se-ia posse ao seu sucessor e bola para frente.

SEM ESSA de que somos um país com complexo de vira-lata. Estamos condenados ao sucesso apesar do egoísmo e do profundo conservadorismo de nossas elites. Ou elas se renovam ou serão atropeladas pelos que, à esquerda e à direita, ocuparam as ruas em junho de 2013, e desde então. E que amanhã ocuparão o aparelho do Estado com novas ideias.

SÓ NÃO enxerga isso quem é cego ou não quer ver.

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