quinta-feira, 23 de março de 2017

Refutando os dados da CUT que dizem que as terceirizações reduzem os salários - Roberto Ellery

Refutando os dados da CUT que dizem que as terceirizações reduzem os salários

O Congresso aprovou o projeto de lei que permite a livre terceirização no Brasil. Não são poucos os pesquisadores que estudam o crescimento econômico do Brasil que concordam que o excesso de burocracia e restrições legais são um dos maiores entraves para que o Brasil volte a crescer. Ao oferecer novas alternativas de arranjos trabalhistas, a livre terceirização ajuda a reduzir restrições a acordos voluntários em um mercado crítico como o mercado de trabalho.
É quase impossível para um leigo (ou mesmo para um advogado que não milite em causas trabalhistas) avaliar o impacto jurídico de medidas que afetam as relações de trabalho no Brasil. É um emaranhado tão grande de leis e exceções, de jurisprudências de brechas legais e coisas do tipo que achei melhor não entrar na questão neste artigo. Da mesma forma, não entro em questões de gestão por um motivo diferente: se a terceirização não for boa para a empresa ela simplesmente não terceirizará, dado que o projeto aprovado não obriga ninguém a terceirizar, apenas oferece essa opção. O foco deste artigo é chamar a atenção para a pobreza dos dados usados contra as terceirizações.
O número mágico que circula nas redes sociais diz que terceirizados ganham 25% menos do que trabalhadores contratados diretamente pela empresa. Por exemplo, o site do UOL afirma “Salário médio dos terceirizados em 2013: R$ 1.776,78 (25% menor que os R$ 2.361,15 dos contratados diretamente)”. A Carta Capital diz: “O salário de trabalhadores terceirizados é 24% menor do que o dos empregados formais, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).” O Estadão cita um número diferente, mas aponta a CUT como fonte na chamada que anuncia: “Terceirizados ganham 27,1% a menos que contratados diretamente, diz CUT.”
Decidi procurar o estudo da CUT e descobrir de onde veio o número. O estudo se chama “Terceirização de Desenvolvimento: uma conta que não fecha”. A tabela com o número usado para criticar as terceirizações é a Tabela 2, na página 14, que reproduzo abaixo:
Tabela 2 do estudo da CUT sobre terceirizações
Repare na fragilidade do número. De início, o estudo não faz uma análise por atividade desempenhada pelo trabalhador. Como atualmente a terceirização só é permitida para atividades-meio, é razoável supor que os trabalhadores nas atividades-meio ganhem menos do que os trabalhadores nas atividades-fim, independente da forma de contrato. O leitor ficaria surpreso em saber que um médico (atividade-fim) ganha mais do que um servente (atividade-meio) em um hospital? Ou que professores (atividade-fim) ganhem mais do que porteiros (atividade-meio) numa universidade? Imagino que não.
Dizer que terceirizados ganham menos que contratados direitos sem fazer uma análise de acordo com a atividade exercida é o mesmo que dizer que médicos ganham mais que serventes ou professores ganham mais que porteiros. Mas o estudo é ainda mais frágil. Repare que a tabela fala de “setores tipicamente terceirizados” e “setores tipicamente contratantes”. O que significa isto? Significa que o estudo da CUT sequer considera o salário dos trabalhadores terceirizados de forma individual, levando em consideração apenas o salário do coletivo de setores “tipicamente setorizados”.
Grosso modo, o que o estudo da CUT diz é que nos setores onde há terceirização o salário é menor. Quais são estes setores? O estudo simplesmente não menciona. Porém, considerando que a lei atual permite apenas a terceirização de atividades-meio, é bem plausível supor que tais setores são aqueles onde atividade-meio têm mais peso. Desta forma, o que estudo está dizendo é que os setores onde há mais atividades-meio passíveis de terceirização pagam salários menores. Esses setores, segundo os números da CUT e do DIEESE, equivalem a 26,8% dos setores (Tabela 1 na página 13 do estudo, retratada abaixo). Ou seja: o estudo diz algo óbvio, que porteiros ganham menos que médicos, sem que isso necessariamente tenha relação com a terceirização.
Tabela 1 do estudo da CUT. Em nenhum momento o estudo define quais são os setores “tipicamente terceirizados”
Se ainda resta alguma dúvida da fragilidade do estudo considere a Tabela 7 (página 19 do estudo, retratada abaixo). Essa tabela informa que 22,7% dos profissionais contratados diretamente têm nível superior contra 8,7% dos terceirizados com nível superior. Ora, não ficaria surpreso se a diferença educacional explicasse boa parte na diferença de salário, mas o estudo da CUT sugere que não e justifica dizendo que: “se observarmos apenas o ensino médio completo, o número de trabalhadores em setores tipicamente terceirizados e tipicamente contratantes é praticamente o mesmo: 46%”. Ao focar no ensino médio e “esquecer” a diferença entre trabalhadores com superior completo, o estudo da CUT ignora que a distribuição de renda não é igualitária e, por isso, é preciso considerar o que acontece na ponta superior. Uma leitura dura do estudo da CUT poderia levar a crer que serventes ganham menos e têm menos educação do que médicos porque serventes são terceirizados e médicos não, ou que vigilantes estão mais sujeitos a acidentes de trabalho do que professores porque são terceirizados. Parece absurdo? É absurdo. Mas esse é o estudo utilizado por aí para criticar a terceirização.
Tabela 7 do estudo da CUT. Note a diferença de educação formal entre contratados e terceirizados
A bem da verdade o texto da CUT fala sobre as atividades no Capítulo 3, mas não trata da atividade executada pelo empregado como deveria tratar, mencionando apenas a atividade em empresas específicas. O primeiro exemplo é da Volkswagen, onde há terceirizados de primeira linha (moduladores) e terceirizados de segunda linha (segurança, alimentação, construção civil, transporte de cargas, etc.). O que diz o estudo da CUT:
“O modelo de salários e benefícios dos cerca de 3.000 trabalhadores da Volkswagen e modulistas garante certa homogeneidade. Todos são enquadrados como metalúrgicos, portanto, representados pelo mesmo sindicato; têm os mesmos acordos (inclusive Participação nos Lucros e Resultados, PLR) e Convenção Coletiva; têm uma mesma Comissão de Fábrica eleita por todos e que negocia as mesmas condições para todos; e têm uma única estrutura de cargos e salários negociada com o Sindicato e Comissão de Fábrica – no entanto, evidentemente as funções e salários são diferenciados, particularmente entre trabalhadores na Volkswagen e nas modulistas.
Já os demais 1.500 trabalhadores terceiros são enquadrados em várias outras categorias (vigilantes, alimentação, construção civil, transporte de cargas, etc), cada um com “seu” sindicato respectivo, seus acordos e convenções coletivas, bastante inferiores aos do Consórcio Modular em que estão inseridos.”
Perceba como o próprio estudo reconhece que há terceirizados que possuem melhores condições de trabalho do que outros. O que os diferencia? O texto tenta levar a crer que são diferenciados por sindicatos e por atividades que desempenham. Mas qual das duas diferenças deve ser mais importante para explicar a diferença de salários? Médicos ganham mais do que serventes por estarem em sindicatos diferentes ou pelas funções que exercem?
A coisa só melhora quando aparece o caso da Usiminas na Tabela 12 (página 46, retratada abaixo). Segundo a tabela (que, ao contrário das demais, não tem fonte), empregados terceirizados nas funções de limpeza na Usiminas ganham 66% do que ganham os contratados diretamente no mesmo setor. É praticamente o único dado relevante que o estudo apresenta, dado que finalmente considera a mesma atividade na mesma empresa. Mas como saber se não é uma característica da Usiminas, uma empresa que era estatal até ser privatizada em 1991? É possível – eu diria, bem provável – que aqueles que ganhem mais sejam remanescentes da época em que a empresa era estatal. E por que uma empresa que terceiriza um setor manteria empregados contratados no mesmo setor? Talvez por exercerem cargos de chefia (o que, por si, explica a diferença salarial) ou por contratos que impedem ou tornam muito cara a demissão. Infelizmente, os autores do estudo da CUT não deram muitas informações (e nem a fonte) sobre o exemplo e não é possível avaliar o que acontece. Os outros dados ou são de baixa qualidade, se referindo a setores retratados de forma geral (“comércio atacadista de MG”), ou provavelmente apresentam a mesma questão que a Usiminas (a CAGECE é a empresa estatal de águas e esgotos do Ceará).
Tabela 12 do estudo da CUT, sem fonte e sem aprimoramento dos dados
Se ainda assim restar dúvidas sobre a fragilidade do estudo da CUT, veja as referências bibliográficas. Toda a vasta literatura de economia do trabalho no Brasil e no exterior foi solenemente ignorada. A CUT não consultou qualquer artigo publicado fora do Brasil e nem estudos publicados em periódicos científicos no Brasil, o que mostra o pouco interesse da central sindical em fomentar um debate rico a respeito de um tema que afeta diretamente milhões trabalhadores. Parece até que a CUT quer mesmo é fazer barulho para evitar a mudança no jogo de poder e evitar a queda na arrecadação compulsória destinada aos sindicatos que pode vir com a maior liberdade nas terceirizações.

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